Docentes da Pontifícia Universidade Bolivariana (Medelín, Colombia) falam sobre o conturbado momento em que a instituição surgiu

São Paulo, Brasil (Quarta, 3-06-2009).- Pe. Diego Alonso Marulanda Díaz, Decano da Escola de Teologia Filosofia e Humanidades, e o Diretor da Faculdade de Filosofia, Dr. Luis Fernando Fernández Ochoa, falaram sobre as quatro etapas da peculiar formação da Universidade, que contribuiu de forma decisiva, segundo eles, com a história recente do país.

- Uma Universidade não nasce separada do povo... Fale um pouco de Medellín enquanto centro religioso, não só da Colômbia, mas da América Latina.
Pe. Diego - Medellín é uma cidade que tem cerca de dois milhões e meio de habitantes e cuja índole se constituiu historicamente a partir da identidade cristã. Nossa Arquidiocese conta com 1.100 sacerdotes e cerca de 5.800 religiosas, e tem um grande seminário maior, composto por cinco diferentes unidades que recebem a formação acadêmica nas faculdades de Filosofia e Teologia da Universidade Pontifícia Bolivariana. Compartilham dessa formação dezessete institutos de religiosos e religiosas. Isto dá uma ideia do potencial evangelizador da Igreja local e de sua participação ativa na construção do Reino de Deus nessa região.

- Em que momento da história de Medellín nasce a Universidade Pontifícia Bolivariana?
Pe. Diego - A Universidade Católica Bolivariana, como foi chamada originalmente, nasce num momento não isento de confusões e riscos, no país e no mundo. No âmbito internacional, a conjuntura estava marcada pelo enfrentamento entre os nacionalismos europeus e o marxismo-leninismo do bloco soviético. Na Colômbia, pelas turbulências entre liberais e conservadores, o que em Medellín concretamente causou o descontentamento de um grupo de professores e estudantes de Direito da universidade estatal de nossa província, a Universidade de Antioquia, na qual predominavam ideias que não favoreciam uma formação cristã. Por isso decidiram retirar-se desse centro de educação superior e fundar uma Faculdade de Direito e, deste modo, uma nova Universidade, de inequívoca orientação Católica, que teria dois fundamentos: o Coração de Jesus, fonte da verdade e do amor, e o libertador Simón Bolívar, símbolo do profundo compromisso pátrio e do senso de integração latinoamericana.
A Universidade foi fundada em 15 de setembro de 1936, pelo Arcebispo de Medellín, Dom Tiberio de Jesús Salazar y Herrera, e seu primeiro reitor foi Mons. Manuel Jose Sierra. Um ano depois, o governo colombiano a reconheceu como instituto de educação superior e em 1945 lhe foi outorgado o título de Universidade Pontifícia, no pontificado de Pio XII. Passou então a ser chamada de Universidade Pontifícia Bolivariana e ficou conhecida na região pela sigla UPB.

- Poderia dizer algo a respeito do impacto da Universidade na sociedade e de seu modelo pedagógico?
Pe. Diego - Sua importância se fundamenta em sua própria identidade. Ela é uma Universidade pensada fundamentalmente sob o critério do Humanismo Cristão. Este é o elemento característico que atravessa todo o modelo da formação integral das pessoas que a constituem.
Seu impacto é mensurável no transcurso de nossa história, uma vez que a Universidade prodigalizou à Colômbia personagens muito significativos, que contribuíram para a transformação social e humana. Reconhecida nos âmbitos público e privado, participou ativamente no desenvolvimento de nosso país. Neste sentido, a UPB causou impacto na vida nacional, formando dirigentes competentes em ética cristã, e pôde prestar um serviço à sociedade a partir de sua primeira preocupação, que visava a formação integral da pessoa sob um modelo pedagógico dinâmico, integrado por quatro grandes momentos que se entrecruzam e dão a ideia de um "caminho" que percorremos juntos.

- Quais são esses quatro grandes momentos do modelo pedagógico?
Pe. Diego - O primeiro é a formação humana. A Universidade foi projetada como universitas scientiarum, em torno de seu centro: a pessoa humana entendida como imago Dei. Este primeiro elemento do modelo pedagógico faz um mesmo caminho circular com a formação cristã. Este é o núcleo de todos os processos acadêmicos e administrativos. O terceiro elemento é a formação acadêmica. Para ser universidade, deve necessariamente apostar na sustentabilidade dos processos de alta qualidade, dos processos acadêmicos, de investigação e de transmissão do conhecimento. Nossa Universidade é hoje reconhecida pelo Governo como uma comunidade acadêmica de alta qualidade. Há no país apenas 15 universidades com este reconhecimento. Por último, o quarto elemento que dá forma ao seu modelo pedagógico é a formação social, que pretende formar na cultura solidária de todos os seus membros, para o exercício da projeção social. Dito de outro modo, a UPB é uma Universidade interdisciplinar e transdisciplinar que se interessa pela profundidade de cada disciplina e pela dinâmica dialógica entre elas, para dar resposta a questões comuns, através do exercício da procura da verdade em termos de sabedoria e de sentido para o homem.
Articulamos na UPB estes quatro elementos porque entendemos o curriculum como o Cardeal Newman o concebia: não é simplesmente um conjunto de cursos, mas um "caminho", no qual o importante é a pessoa e os "outros" com quem se faz o caminho. Este caminhar começa no pré-escolar, passa pelos cursos intermediários e culmina, academicamente, com as especializações, mestrados e doutorados, e se plenifica através da formação contínua (sabedoria), porque a UPB entende que o homem é uma tarefa em constante construção.

- Como se vive no interior da Universidade essa centralidade da pessoa humana?
Pe. Diego - A UPB conta hoje com 22 mil estudantes. Quem entra nessa grande casa do saber, constata o calor de una família. Ela é um lar acadêmico onde o que importa é o encontro entre seus membros. Não queremos cair na fraude do tecnicismo nem do racionalismo a todo transe. A fraternidade e o respeito pelo outro caracterizam o viver cotidiano, desde a alta direção, passando pelos docentes e chegando até o pessoal de serviços gerais. Aqui aprendemos a amar a diferença como o lugar no qual se efetua a beleza da unidade. Os processos institucionais têm como princípio retriz a inclusão de todas as pessoas que fazem parte deste lar acadêmico.
Dr. Luis Fernando - Efetivamente, a fraternidade é a nota distintiva de nossa Universidade e - pelo que pudemos ver no Colégio dos Arautos - nisso coincidimos com vocês. Nele se vive numa alegre cordialidade. Por exemplo, as atitudes de Mons. João Clá com os alunos nos fazem recordar o Reitor da Universidade, pois ele também costuma pôr-se muito ao alcance dos estudantes, interessa-se pela comunidade universitária e é detalhista. É um Reitor que a comunidade universitária não só respeita, mas aprecia.

- Qual é a missão da UPB e quais são os conceitos que orientam seu labor educativo?
Pe. Diego - A UPB tem como missão a formação integral das pessoas que a constituem, mediante a evangelização da cultura, a procura constante da verdade, nos processos de docência, investigação, projeção social, e a reafirmação dos valores desde o humanismo cristão, em beneficio do desenvolvimento social e humano. É bom saber que os conceitos que orientam nosso trabalho educativo sintetizam-se da seguinte maneira: queremos aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a inovar e a transformar, aprender a conviver e aprender a transcender.

- Como conseguem a fidelidade ao Magistério da Igreja que os caracteriza?
Pe. Diego - Estando em comunhão com o Evangelho de Cristo. Esta comunhão nos permite valorizar o Magistério como uma fonte de água límpida que alimenta a Fé de todos. O amor cristão ao Sumo Pontífice, ao Grande Chanceler da Universidade, ao Arcebispo de Medellín, Dom Alberto Giraldo Jaramillo, e o respeito às orientações dos Bispos atestam nossa adesão ao Magistério. Da mesma maneira, a UPB valoriza profundamente o estudo acurado e a divulgação dos documentos da Igreja.
Dr. Luis Fernando - Penso que somos radicalmente católicos em dois sentidos. Primeiro, enquanto sendo fiéis ao Magistério da Igreja; segundo, enquanto apontando diretamente ao significado da palavra katholikós: universal, aberta, acolhedora. Em sua maioria, os professores e dirigentes da Universidade são católicos, mas contamos também com o concurso de outros que não o são. Há na comunidade universitária judeus, muçulmanos, protestantes, menonitas, bem como professores e alunos que são agnósticos. Sem embargo, há um clima de muito respeito pelos valores e possibilidades do Cristianismo.

- E como conseguem impregnar a cultura do Evangelho?
Pe. Diego - Utilizamos diversas estratégias: a Lectio inauguralis, orientada cada ano pelo Grande Chanceler; os Diálogos Fé-razão, para docentes e discentes; os Diálogos da Catedral (análise de temas urgentes entre cientistas e o Sr. Arcebispo); os encontros mensais com os parlamentares da região, o Sr. Arcebispo e autoridades acadêmicas da UPB; os encontros de empresários, liderados pelo Sr. Reitor; a formação de líderes estudantis; os retiros espirituais de Quaresma para os diversos estamentos; a Direção de Bem-estar Universitário; a existência de vários institutos dedicados à investigação nos âmbitos da ética e da bioética, da família, da espiritualidade e da doutrina social da Igreja; frequentes exposições de obras de arte, especialmente nos tempos fortes da Liturgia, conferências, foros, sessões de cinema, etc.
Tudo isso dirigido, em grande parte, pela Vice-Reitoria Pastoral que, tendo à frente o Pe. Julio Jairo Ceballos, se apresenta como uma experiência única no contexto das demais universidades, porque acompanha e lidera o trabalho pastoral de doze capelães e quarenta e cinco sacerdotes que trabalham nos diversos departamentos da Universidade.

- Soubemos que os estudantes de todas as disciplinas devem ter um curso de Cristologia...
Pe. Diego - A Vice-Reitoria Pastoral criou, há cerca de dez anos, um curso de Cristologia básica chamado, entre nós, de Cristologia do sentido. Esse curso, todos os estudantes de pré-graduação o fazem. É obrigatório para todos. A UPB entendeu que sua identidade é Jesus Cristo mesmo e seu Evangelho; e que devia dar a conhecer a Pessoa e a mensagem de Jesus de forma clara, rigorosa, sistemática e a partir do testemunho. Atualmente é o curso mais valorizado da Universidade. Contamos, historicamente, com um promédio registrado de 4,7 sobre 5 na avaliação final dos estudantes. De início, os jovens se mostram reticentes, mas finalmente valorizam muito o conteúdo do curso, pois ele está bem estruturado e é dado por docentes que subscrevem o que ensinam, com seu testemunho de vida e sua adesão à Pessoa de Jesus.

- É notório que a UPB goza da confiança do CELAM. Falemos um pouco disto.
Pe. Diego - Sim, há um imenso voto de confiança do Episcopado de toda a América Latina para nossa Universidade. Temos um Convênio com o Instituto Teológico-Pastoral para América Latina (ITEPAL), para a formação, em nível de pós-graduação, de membros do clero dos diversos países do continente. Faz alguns anos nos encarregamos da formação filosófica do Seminário da Diocese de Chitré (Panamá). Deve-se ressaltar, igualmente, nossa presença em zonas indígenas.
Dr. Luis Fernando - A Universidade está apostando na denominada etno-educação, sobretudo em comunidades indígenas das províncias de Cauca, Amazonas e Putumayo. Esta é una experiência valiosa, não só porque se trata de uma educação adaptada às dinâmicas das comunidades aborígenes, mas também porque é a presença da Igreja em zonas de conflito entre o exército e a guerrilha. O interessante é que os professores viajam com gosto a essas zonas para prestar seus serviços, apesar de serem zonas de guerra, e o fazem por estarem conscientes de que são artífices de paz, de solidariedade e de esperança.
Pe. Diego - Entendemos que a UPB não é uma entidade da Igreja, mas que é a Igreja. Alguém poderia perguntar qual é a grande contribuição dada pela Universidade ao conjunto da sociedade, e a nós que a constituímos. Na minha opinião, ela aparece como grande comunicadora de esperança em tempos de crises profundas. Essa esperança nasce da fonte do Evangelho e, em termos do social, cria confiança, e a confiança facilita a construção do desenvolvimento integral das pessoas e da própria sociedade.

- Os senhores recebem alunos de outros países?
Dr. Luis Fernando - Claro que sim. A Universidade conta com alunos da Alemanha, Áustria, Polônia, Itália, França, Espanha, Portugal, Turquia, Canadá, Estados Unidos, Costa do Marfim, Coreia, Brasil, Antilhas, Peru, Equador, Costa Rica, México, Chile, Argentina, Venezuela, Bolívia, Panamá, entre outros.

- Há 23 universidades pontifícias no mundo. Como definiriam, em poucas palavras, o carisma que caracteriza a UPB?
Pe. Diego - O carisma que move nossa Universidade, poderíamos defini-lo a partir do conceito da "caridade pastoral", que equivale a dizer o encontro interpessoal que nos permite compartilhar a sabedoria e o amor de Jesus Cristo entre os membros da comunidade universitária. Esta "caridade pastoral", entre nós, está presidida pela cultura eucarística e pela inteligência da revelação que ilumina inclusive as menores coisas que realizamos. Dita espiritualidade permeia o exercício acadêmico e administrativo das pessoas, e propende para que elas atuem com sabedoria, sejam solidárias e encontrem a plenitude do sentido de suas vidas e de seu trabalho.
www.arautos.org.br

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