Em Serafina, jornalismo é apenas maquiagem

Carlos Chaparro (*) - O XIS DA QUESTÃO - Na edição desta semana há apenas um bom texto, de Paulo Sampaio. O resto é mediocridade mais ou menos bem tratada, não tanto por causa de quem escreve, mas devido ao viés da pauta editorial, toda ela orientada para a simples e simplificada exploração da notoriedade dos protagonistas, a serviço de um projeto com razões de ser somente comerciais.

1. Coisa fina será isso?
Será realmente fina a revista Serafina (assim mesmo, com as duas últimas sílabas em negrito, para várias leituras possíveis), que há dois domingos enfeita as edições dominicais da Folha de S. Paulo?

Para responder a essa questão, teremos de passar por outra, que a antecede: - E o que é ser fino?

Não sei responder. Mas alguns dos colaboradores que escrevem (n)a própria Serafina já o fizeram. A mais inteligente e profunda das respostas foi dada pelo repórter Paulo Sampaio: “Ser fino é sair com fotinha nesta galeria de colaboradores”.

Juro por todos os deuses que não faço ironia ao considerar inteligente e profunda a sentença de Paulo Sampaio. Em suas subjetividades, a frase faz a melhor definição da revista – que, por coincidência, na edição desta semana, tem o seu melhor pedaço na matéria assinada pelo mesmo Paulo Sampaio: em texto, um bom retrato da atriz Camila Morgado.

Bom texto, sob ponto de vista de quem o escreveu e de quem o lê. Mas que, na verdade do projeto, cumpre o esperto papel de adorno enganador – e Paulo Sampaio nada tem a ver com a enganação em que assenta a essência do projeto “Serafina”: sob o encanto de truques de maquiagem jornalística, vive e vibra um ambicioso projeto comercial. Não por acaso, no expediente da revista (página 12), as únicas referências explícitas a conteúdos jornalísticos aparecem no espaço da “Publicidade”: entre os cargos citados estão os de “Diretor de Noticiário” e “Gerentes de Noticiário”.

2. Forma boa, conteúdo ruim
A revista circulou esta semana com 60 páginas. Vinte e nove delas ocupadas por publicidade de alto custo, garantindo, calculo eu, receita mais do que suficiente para pagar as despesas de um orçamento enxugado por táticas de economia de escala e de uma redação que apenas faz o gerenciamento de serviços terceirizados.
O resultado financeiro, acredito, deve roçar a avaliação de “ótimo”. Mas, se olharmos a Serafina como produto jornalístico, a avaliação será outra, bem diferente.

Na edição desta semana há apenas um bom texto, aquele já citado, de Paulo Sampaio. O resto é mediocridade mais ou menos bem tratada, não tanto por causa de quem escreve, mas devido ao viés da pauta editorial, toda ela orientada para a simples e simplificada exploração da notoriedade dos protagonistas. Que acabam sendo revelados como heróis e heroínas sem idéias – porque a busca jornalística se limita ao brilho falso das aparências, da ostentação e das vaidades. A exceção, como já se disse, fica por conta do perfil da bela e talentosa Camila Morgado, bem captado e bem exposto por Paulo Sampaio.

Serafina tem coisas boas, claro. Mas como projeto comercial. Tem, por exemplo, um caprichoso revestimento gráfico, construído pela qualidade de três empresas prestadoras de serviços, que devem ser citadas: a Bizu_Design com Conteúdo, que criou o projeto gráfico; a Buono disegno, responsável pelo estudo tipográfico; e a Plural Editora e Gráfica, a quem cabe o tratamento de imagem. E no grupo do tratamento visual deve ser incluído o nome de Ana Starling, responsável pela Direção de Arte.

Complementando-se entre si, os profissionais desse grupo conseguiram impor ao projeto “Serafina” a característica que define a revista, tanto na sua materialidade quanto na sua filosofia: um produto mais para ser olhado do que para ser lido. E em tais águas, a natureza comercial do projeto navega gloriosamente.

3. Exemplar de “plublijornalismo”
Quem deve estar feliz da vida com o projeto é o jornalista Alcino Leite Neto, que faz parte da equipe de redação da revista, não sei se como colaborador ou membro efetivo. No dia 2 de agosto de 1998, Alcino publicou na Folha de S. Paulo, jornal onde já trabalhava, um artigo em que proclamava a morte do jornalismo tradicional, substituído, segundo ele, por um ente híbrido a que dava o nome de “publijornalismo” - solução resultante da mistura de jornalismo e publicidade.

Serafina constitui-se exemplar demonstração desse tal “publijornalismo”, ao qual o então empolgado Alcino Leite Neto dedicou a qualificação de “admirável meio novo”. No caso de Serafina, com um detalhe a que Alcino talvez não dê grande importância: as razões de ser são todas comerciais.

Jornalismo é apenas maquiagem esperta.
(*) Manuel Carlos Chaparro é doutor em Ciências da Comunicação e professor livre-docente (aposentado) do Departamento de Jornalismo e Editoração, na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, onde continua a orientar teses. É também jornalista, desde 1957. Com trabalhos individuais de reportagem, foi quatro vezes distinguido no Prêmio Esso de Jornalismo. No percurso acadêmico, dedicou-se ao estudo do discurso jornalístico, em projetos de pesquisa sobre gêneros jornalísticos, teoria do acontecimento e ação das fontes. Tem quatro livros publicados, sobre jornalismo. E um livro-reportagem, lançado em 2006 pela Hucitec. Foi presidente da Intercom, entre 1989-1991. É conselheiro da ABI em São Paulo e membro do Conselho de Ética da Abracom.

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