Perfil: Roberto Salmeron

Roberto Salmeron passou boa parte da vida à procura de quarks e glúons, duas partículas elementares que, se detectadas, poderiam desvendar alguns dos enigmas relacionados à criação do Universo. A caça se deu principalmente nos laboratórios do CERN , o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, em Genebra, um dos maiores núcleos dedicados à fisica de partículas, onde Roberto trabalhou por dez anos. O paulistano, descendente de espanhóis e italianos, foi um dos primeiros físicos a ter contrato na instituição européia. Apesar da paciência e da obstinação, qualidades que Salmeron tem de sobra, e dos meios colocados à disposição de sua equipe, ainda não há provas formais da existência de quarks e gluons. Em todo caso, como ele mesmo diz, nada que não possa ser explicado através de fenômenos já conhecidos da física clássica. Ao invés de abatimento, o que se observa em Salmeron é uma visão otimista da vida. Aos 83 anos, sendo 38 em Paris, ele gosta de dizer que, se não ganhou dinheiro, divertiu-se muito em sua profissão.

Salmeron mora em um apartamento do 20° distrito da capital francesa com sua mulher, Sônia, psicanalista. Nada, na casa do casal, deixa transparecer a carreira de prestígio internacional que construiu desde que deixou o Brasil, em 1950. Nada, salvo alguns diplomas espalhados entre fotos de família e quadros, pintados nas horas vagas. Filho de operários, Roberto estudou em escolas públicas, do primário à universidade. Seguiu os conselhos do pai e se formou em engenharia na Escola Politécnica da USP. Mas antes de receber o diploma, começou a dar aulas de eletricidade e magnetismo em um curso pré-vestibular. Suas explicações eram tão claras que um aluno pediu para taquigrafá-las – notas que se transformaram em apostila disputadíssima entre os estudantes e, mais tarde, em obra de referência. Introdução à Eletricidade e ao Magnetismo fez parte do programa escolar de física por mais de trinta anos!

Experiência interrompida
Roberto foi para o CERN, pela primeira vez, após o doutorado em Manchester, com o prêmio Nobel Patrick M.S. Blackett. Lá ficou por oito anos, até que a saudade do Brasil e o gosto por desafios o levassem de volta para casa. Em 63, o físico largou tudo para participar da criação da Universidade de Brasília, uma experiência inovadora na qual poderia pôr em prática seus dois talentos, de cientista e educador. « Nós bem que tentamos », diz ele, quando lembra a perseguição sofrida durante a ditadura. « Acreditávamos que regimes políticos passam, ao contrário da educação. Até o momento em que não foi mais possível trabalhar com dignidade ». Roberto demitiu-se com outros 222 professores. Após 5 meses desempregado, voltou para Genebra, onde o então diretor do CERN, Victor Weisskopf, o recebeu de braços abertos. Muitos anos depois, o curto e doloroso episódio deu origem ao livro Universidade Interrompida, hoje esgotado. Sem mágoa nem falsos sentimentalismos, ele conta que escrever alguns capítulos o fizera reviver momentos tão difíceis que tinha que esperar meses até poder sentar-se novamente em frente ao computador.

Se no Brasil as portas se fecharam, na Europa e nos Estados Unidos não faltaram laboratórios interessados em contratar o brasileiro. As universidades de Oxford, Trieste e Colúmbia, por exemplo, se manifestaram. Mas em 67, a família Salmeron mudou-se para Paris, a convite da Ecole Polytechnique. « Na Suiça, explica, os filhos teriam educação de primeira linha. Mas na França, teriam abertura intelectual ». Entre 85 e 89, sua reputação o levou a integrar a equipe que indicava candidatos ao Prêmio Nobel.

Futebol com o neto
Roberto Salmeron aposentou-se como diretor emérito de pesquisa da instiuição francesa, mas nem por isso parou de trabalhar. Hoje, ele interpreta resultados de experiências realizadas na França ou em Genebra. Sempre com o mesmo rigor. Há pouco tempo, soube que uma equipe norte-americana que retomou as pesquisas com quarks e glúons quis associar seu nome a um artigo, a ser publicado em uma revista especializada. « Neguei », disse ele, sorrindo. « Ao verificar os resultados, vi que ainda não havia nada de novo. Eles insistiram, mas eu não mudei de idéia – se não acredito, não assino ! »

A família Salmeron vai ao Brasil sempre que pode, mas nunca mais pensou em deixar a Europa. « Nos anos 60, explica, calculei que a ditadura ia durar duas décadas, como de fato durou. Depois, achei que não seria mais útil no país ». Da França, ele mantém quase que frenética correspondência com os amigos brasileiros e se vangloria de nunca ter deixado uma carta sem resposta. Segue atento os desdobramentos da política e dos programas de educação. Por fim, assiste entusiasmado os jogos da Seleção, sempre na companhia do neto, com quem compartilha uma genuina paixão pelo futebol.

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Clarim da Amazônia